Desenho

sábado, 7 de julho de 2012 0 comentários


Fui morena e magrinha como qualquer polinésia,e comia mamão, e mirava a flor da goiaba.E as lágrimas me espiavam, entre os tijolos e as trepadeiras,e as teias de aranha nas minhas árvores se entrelaçavamIsso era um lugar de sol e nuvens brancas,onde as rolas, à tarde, soluçavam mui saudosas...O eco, burlão, de pedra, ia saltando,entre vastas mangueiras que choviam ruivas horas.Os pavões caminhavam tão naturais por meu caminho,e os pombos tão felizes se alimentavam pelas escadas,que era desnecessário crescer, pensar, escrever poemas,pois a vida completa e bela e terna ali já estava.Com a chuva caía das grossas nuvens, perfumosa!E o papagaio como ficava sonolento!O relógio era festa de ouro; e os gatos enigmáticosfechavam os olhos, quando queriam caçar o tempo.Vinham morcegos, à noite, picar os sapotis maduros,e os grandes cães ladravam como nas noites do Império.Mariposas, jasmins, tinhorões, vaga-lumesmoravam nos jardins sussurrantes e eternos.E minha avó cantava e cosia.Cantava canções de mar e de arvoredo, em língua antiga.E eu sempre acreditei que havia música em seus dedose palavras de amor em minha roupa escritas.Minha vida começa num vergel colorido,por onde as noites eram só de luar e estrelas.Levai-me aonde quiserdes! - aprendi com as primaverasa deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.
Cecília Meireles

In: Mar absoluto,
p.523-524

0 comentários:

Postar um comentário

 

©Copyright 2011 Li | TNB